Oi, gente, tudo bem com vocês? Quanto tempo, não é?! Já fazia muito tempo, desde meu último relato da aba anterior “A surdez em família e amigos”. Muita coisa mudou. Muita correria. Mas hoje, resolvi alimentar esta aba e falar um pouco sobre a surdez e a sexualidade. Então, vamos lá?
Ainda enquanto ouvinte, na época em que fiz o curso de licenciatura em Pedagogia, estudamos duas disciplinas voltadas aos aspectos das Pessoas com Deficiência – PCD: Necessidades Especiais e Libras. Em uma dessas, nossa professora nos passou um filme chamado “Gaby: uma história verdadeira”. (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JSwOk92C9cs ). Nunca me esqueci deste filme. Porque foi nele que fora plantada uma semente de desconstrução de falsos estereótipos sobre as PCD e um destes estereótipos era sobre a sexualidade. Como alguém PCD, cujo a sociedade o tem por coitadinho, alguém digno de misericórdia, pode querer namorar? Ou o que é ainda mais estapafúrdio, como pode eles quererem e sentirem vontade de transar? Com estas indagações (preconceitos velados), nossa turma assistiu ao filme, todos boquiabertos em ver Gaby, a protagonista do filme, sentir as mesmas necessidades que qualquer outra pessoa e até chegar a bolar estratégias para poder transar com um colega. Mas também nos sentimos decepcionados quando ela levou um fora. Normal, não é? Quem nunca levou ou deu um fora, que atire a primeira pedra. (Risos).
Mas uma coisa é assistir a um filme sobre estas questões, outra é você sentir na pele o quanto nossa sociedade ainda é muito preconceituosa.
Quando eu descobri que ficaria surdo, eu estava namorando uma jovem. Já eram 3 anos de namoro. Por toda a forma abrupta da situação e de como eu encarei tudo, resolvi terminar. Para mim, naquela época, não fazia sentido eu estar com ela. Isso pois, na minha mente eu tinha certeza que ela não iria querer mais nada com um surdo. Eu não teria condições de lhe oferecer proteção. Se nem a mim mesmo eu garantiria, já que agora ficaria surdo. E outra, mesmo que ela quisesse, eu seria uma presa fácil para traições. Vejam bem, o turbilhão de pensamentos e preconceitos me fizeram entender que uma relação para mim seria impossível. Então resolvi terminar o namoro. Eu já havia perdido a audição de um dos ouvidos. Marquei com ela para irmos a uma lanchonete e lá eu disse que queria terminar. Ela ficou sem entender. Eu disse que era comigo, eu deveria ficar só. E mesmo sem entender nada, ela teve que aceitar. Desde esse dia, ela passou um bom tempo sem falar comigo.
Mas passei a fase depressiva de minha vida, em aceitar minha nova condição, como disse antes, voltei a usar as redes sociais para aos poucos voltar a me relacionar com amigos e claro, minha sexualidade começou a reclamar. Mas ainda era muito difícil me mostrar à sociedade, agora sendo uma pessoa surda. Eu tinha certeza que levaria várias foras, quando as garotas soubessem que sou surdo. Hesitei por várias vezes de tentar me aproximar de alguém. O medo era sempre mais forte. Mas eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria de passar por isso. Então, eu tinha de tentar. Coloquei na minha cabeça que se eu levasse um fora, eu teria de me reconstruir e tudo começar de novo, até que desse certo. O primeiro passo era tentar. Como primeiro passo, embora morrendo de medo e vergonha e outros sentimentos que não sei explicar, foi trocar a foto do meu perfil. Agora eu já estava usando aparelhos auditivos. Então, foi uma foto recente, do Michel surdo, que coloquei no meu perfil. Passei a conversar com uma garota pelo facebook. Conversamos durante um bom tempo. Mas em nenhum momento eu usei a palavrinha mágica: “eu sou surdo”. Ainda estava hesitando. Conversamos sobre tudo. As conversas começavam a ficar mais quentes, ao ponto de marcarmos um encontro. E eu lá, feito adolescente, com o coração batendo bem forte, com medo de dizer da minha condição. Até que um dia antes do encontro eu criei coragem e fui conversar com ela. Eu disse que tinha algo a confessar para ela. De cara ela perguntou se eu era casado. (Risos). Não era isso. Eu disse. Pedi que ela fosse observar minha foto de perfil. Ampliasse e percebesse o que tem na minha orelha. E assim ela o fez. Quando retornamos para continuarmos a falar, ela disse: que legal, você gosta de usar fones de ouvido. (Risos novamente). Ela não sabia que aquilo no meu ouvido era um AASI – aparelho de amplificação sonora individual. Normal, antes de usar, eu também não conhecia. Foi então que comecei a explicar que se tratava de um aparelho auditivo. E que eu era surdo. Mas que isso não atrapalhava minha vida. Ela visualizou a mensagem, passou alguns segundos para responder. E eu lá, com um ritmo acelerado no coração, na expectativa de como seria sua reação.
Até que ela respondeu. Disse que não sabia, começou a mudar de assunto. As conversas picantes cessaram. O encontro foi desmarcado e no final de uma boa desculpa, disse que poderíamos ser amigos.
Sim, você que está lendo isso, deve ter ficado triste e decepcionado, por querer um final diferente. Foi assim que eu me senti também. Mas como querer outro final, se residimos em uma sociedade altamente preconceituosa? As pessoas não querem estudar. Não querem conhecer um determinado assunto. Preferem construir castelos em cima destes alicerces hipócritas. Lembrem-se eu também fui assim (sou, no sentido de não poder escapar de outros preconceitos).
Foi um misto de sentimentos ler o que aquela garota tinha escrito e me sentir rejeitado por ser surdo. Eu não sabia como me comportar naquele instante. Eu estava diante de um processo educativo. A vida estava me ensinando como os surdos sofrem na questão da sexualidade, também. Aquela era a minha primeira experiência, já como pessoa surda. Então, mesmo sem saber como reagir, “liguei o botão do automático” e saiu sem que eu percebesse e disse a ela: – “Bem, tudo estava indo legal entre nós dois. Só foi você descobrir que sou surdo que a conversa mudou de tom. Então, fulana, não, não aceito sua amizade, porque pessoas preconceituosas não me servem por amigos”. E nunca mais conversei com ela.
É lógico que mesmo tendo dito o que disse, ainda assim eu estava triste com a rejeição. Mas achava que fosse ficar mais triste. Eu já vinha me preparando para que isso acontecesse, embora não quisesse passar por isso. Aquela tinha sido a primeira tentativa. Outras estariam por vir. Era certo que eu não ia desistir de aprender a flertar e a conviver com minha sexualidade, agora estando surdo. Não tinha pressa, uma hora teria outra oportunidade e toquei a vida. Passei a conversar mais com os amigos. Resolvi mostrar aos outros, minha nova condição. Embora ainda fosse muito doloroso aceita-la, mas este processo de aceitação estava em construção. Quando dei por mim, todos do meu facebook já sabiam que sou surdo (Antes eu escondia o que vinha acontecendo comigo). Em minhas postagens sobre a surdez, quem fizesse alguma pergunta eu já conseguia conversar sobre o assunto.
Foi então que percebi que eu já começava a me aceitar. Eu já estava saindo de casa. Até que um dia, resolvi organizar um “chá de casa nova” para um grande amigo meu, chamado Rondinelli. No dia da festa, conheci uma garota. Eita! (risos) Aquela seria minha segunda chance. Ela era amiga da esposa do Rondinelli. Resolvi me aproximar (Não vou contar todas os meus segredos na arte do amor. Risos) conversamos pouco, porque até então, era tudo na leitura labial e isso era muito cansativo. Peguei o contato do whatsapp dela e passamos a conversar. A diferença era que ela estava conversando comigo, mas já sabendo que sou surdo. Marcamos o primeiro encontro. Eu nervoso, mas fui e rolou nosso primeiro beijo. Ora, eu já estava aprendendo como um surdo namora. Ninguém me ensinou, eu tinha de aprender por mim mesmo.
A partir desta segunda vez, vieram outras vezes, outras chances de flertes e quase sempre bem-sucedidas. Sabe por qual motivo de serem bem-sucedidas? Não porque sou um Brad Pitt (Risos), mas porque agora eu passei a dizer logo de cara que sou surdo. Não preciso mais me esconder. Foi a partir do momento que me aceitei como pessoa surda, que os outros também passaram a me aceitar. Como querer que o outro me tenha como capaz, se eu mesmo não me tiver? E cá entre nós, não como fator de gabolice, mas como exemplo da importância do processo de auto aceitação, depois que fiquei surdo, fazendo uma comparação com o antes, quando ouvinte, agora, passei a ter mais oportunidades de relações. Até em forma de brincadeira cheguei a conversar com um amigo e dizer que se eu soubesse que o negócio iria melhorar, eu há muito tempo teria ficado surdo. (Risos).
E lembram daquela minha namorada que terminei tudo sem explicar o que estava acontecendo, sem explicar que estava ficando surdo? Pois bem, eu também a procurei para “lhe dar uns beijinhos” (Preciso falar sério. Risos). Mas desta vez foi ela quem me deu um fora e com toda razão, claro! Chegou a dizer o quanto foi ruim para ela, eu apenas terminar tudo sem lhe dar nenhuma explicação. Disse que por dias esperou uma ligação de pedido de desculpas e para voltarmos. Agora ela estava namorando e não podia do nada terminar só para poder ficar comigo. Aquilo tudo que ela me disse, me fez refletir das injustiças que cometi. Mas que para mim, diante de toda a situação, era impossível de enxergá-las.
Hoje, estou namorando e a cada dia venho desconstruindo em mim mesmo inúmeros preconceitos relacionados à questão da surdez e da sexualidade, percebendo e fazendo o outro perceber, que nós surdos, assim como os ouvintes, sempre vamos precisar do nosso par. Relatos como este meu, servem para melhor compreendermos como se dão as relações sociais e de sexualidade, em meio aos esteriótipos que a sociedade marjoritária impõe sobre as minorias e as PCD e que nem sempre é fácil lidar com eles. Já se perguntaram por que inúmeros surdos preferem se relacionar com um par surdo? Dentre inúmeros motivos, possivelmente estes salientados por mim, devem servir de catalisador para que seus pares sejam de sua cultura, identidade e condição.
Bem, pessoal, aqui findamos esta aba. Em outras, com certeza voltarei a falar de questões que denotem sexualidade. Obrigado pela leitura e não deixem de comentar sobre o que acharam destas questões. A próxima aba será “A surdez e a sociedade” em geral. Espero que consiga arranjar um tempo para logo escreve-la. Abraço em todos e muita saúde!