A surdez em família e amigos

Olá, pessoal. Peço desculpas aos leitores pelo sumiço. A correria diária acabou me impedindo de retomar aos meus escritos. Mas vamos lá!

Aqui, nesta aba, começaremos os relatos, sucintos, sobre A SURDEZ EM FAMÍLIA E AMIGOS.

Ao retornar para casa, passei a frequentar somente dois lugares: meu quarto e uma rede que fica numa área no quintal. Ainda depressivo, o dia todo eu passava deitado na rede sem falar com ninguém. Só me levantava para comer e só comia por causa dos remédios, que abria o apetite e me obrigavam a isso, o que estava me deixando ainda mais inchado. Parei de usar redes sociais como o facebook e o whatsaap e quando eu falava com alguém aqui em casa, as ordens era que se alguém viesse atrás de mim, deveriam dizer que eu não estava e não queria falar com ninguém. Nem amigos e nem familiares. Mas os amigos perceberam que era eu quem não queria recebe-los e logo a notícia se espalhou que eu estava evitando visitas.

Minha mãe teve de retornar ao trabalho e constantemente ligava para nossa secretária da época, a fim de saber como eu estava. Quando ela chegava em casa, ia ao pé da minha rede e ficava chorando em me ver definhando e não poder fazer nada. Mamãe rezava todo dia por minha cura, dizia que se pudesse, trocaria de lugar comigo. Chegou a dizer que não entendia porque Deus estava deixando isso acontecer, logo eu que ainda não tinha casado, não tinha filhos. Percebam, estes são preconceitos comuns que muitos têm em relação à surdez, até eu tinha, não era só minha mãe. Eu também achava que estar surdo era estar fadado ao fracasso, uma sentença de morte. Eu não poderia fazer mais nada na vida e casar seria impossível. Todos nós carregamos preconceitos, mas nunca atinamos de verdade sobre eles.

Meu dia-a-dia era sempre o mesmo, era o primeiro a deitar, para tentar dormir e às vezes só conseguia tomando um remédio controlado. Isso, porque devido a tudo o que estava acontecendo comigo, minha cabeça não parava de pensar no fato de eu estar surdo. Outros pontos que me deixavam impaciente era a sensação de ouvido totalmente tapado e para complicar ainda mais, junto com a surdez, tinha um zumbido que até hoje me acompanha, isso me deixava louco e eu sentia tonturas muito fortes. Mas quero deixar claro que embora depressivo e achando estar fadado ao fracasso, eu nunca deixei de rezar. Recolhia-me às minhas orações. Todas as noites eu rezava um terço da libertação. Eu pedia por dias melhores, pedia a minha cura. Mas eu comecei a perceber que em minhas orações já não eram mais pedidos, era como se eu estivesse com raiva de Deus e nas orações eu queria há qualquer custo que ele me curasse. Eu chagava a cobrar de Deus uma solução.

Certa vez, como de costume, meus sobrinhos vêm às vezes passar o final de semana aqui em casa ou as férias. E em um desses dias, meu sobrinho no dia seguinte veio me perguntar se era eu mesmo. Eu fiquei sem entender. Mas ele disse que de madrugada ouviu uma voz chorosa, longínqua, clamando por misericórdia e a vó dele, minha mãe, disse que era eu e na hora ela começou a chorar. Meu sobrinho ficou confuso com a situação e quando ele veio me perguntar, fiquei com vergonha em saber que não controlava a intensidade da minha voz e minhas súplicas estavam indo longe.

O fato era que era sempre assim, me deitava mais cedo para rezar e quando conseguia dormia. Mas acordava cedo e ia para a rede. Todos os dias eram assim.

Alguns amigos tentavam insistir em falar comigo e nestas tentativas, alguns conseguiram como o Manoel, Rondinele, Emerlinda, Baby. Mas sempre era  muito difícil encará-los, porque ao fazer isso, eu me mostrava agora uma pessoa digna de piedade, uma pessoa sofrida, doente e não mais aquele amigo sorridente, cheio de vida, de palavras amigas, engraçado. E sem falar que todos eles me viam inchado do medicamento que eu ainda estava tomando e não sabia como me comportar porque agora eu estava surdo.

Fiquei sabendo que teve uma pessoa, um amigo (a) que me procurou e como as ordens era que eu não estava para ninguém, esse amigo foi barrado no portão. Mas ele ou ela, enfrentou minha mãe. Disse que ela não poderia me esconder das pessoas que gostam de mim, das pessoas que queriam saber de mim e falar comigo. Eu achei muito bacana a atitude desse amigo em enfrentar minha mãe. Mas ela não o deixou entrar, mamãe ficou até chateada no dia. (risos). Percebam que eu não cito o nome do amigo. Isso, porque eu não sei quem foi. No dia, devido as questões que vocês já sabem, não liguei muito de saber quem era. E faço até um apelo aqui, nesta página, se você, meu amigo, está lendo e sabe que foi você, me mande uma mensagem que quero lhe dá um abraço bem caloroso de muito obrigado.

Devido estar sempre deitado e quase sempre não levantar para nada, comecei a sentir complicações na coluna e nos rins. Na coluna, devido a pouco me locomover durante o dia e nos rins, porque devido a isso, nem beber água eu queria. Então tive de ir ao médico. Eu regularmente estava tendo de ir ao médico até descobrir que era por isso que estava sentindo estas complicações. E devido a estas visitas pude perceber outras “complicações”, mas desta vez, no meu seio familiar. Como eu não ligava mais para nada, alguns dos meus irmãos começaram a pedir meu carro emprestado. Eu sempre fui muito ciumento com meu carro. Mas eu não estava mais ligando, eu emprestava. Nem ia olhar como o carro teria sido devolvido. Mas quando eu precisava de alguém para me levar ao médico, no meu carro, era sempre um suplício. Quase sempre não podiam. Era uma confusão. Porque minha mãe não admitia eu precisar de ajuda e os mesmos que usavam o meu carro e o devolvia com banco rasgado, lataria amassada e até batido, não pudessem me ajudar. Mas isso é normal em qualquer família. Somos falhos, eu entendo perfeitamente.

Certa vez, devido as tonturas que eu sentia, fui ao médico com meu pai e ao sair do carro eu cai sentado na calçada. Fiquei morrendo de vergonha, mas não das pessoas que passavam, e sim do meu pai que me via naquela situação e teve de me ajudar a ficar de pé. Sempre que nestas idas ao médico eu podia, fazia de tudo para não ver ninguém conhecido. Porque não queria que ninguém me visse daquele jeito e nem queria explicar, falar sobre o que estava acontecendo.

O convívio com a família não era dos melhores, porque eu sempre evitava de falar com todos e estar no meio de todos. Quando alguém da família chegava em casa, eu corria e me trancava no quarto. Com os amigos não era diferente, as ordens perduraram por um bom tempo em dizer que eu não queria receber ninguém. Muito embora, aos poucos eu já estava mais flexível em falar com alguém que conseguia se chegar.

Foi então que Deus ouviu minhas orações. Vocês lembram que eu rezava toda noite pedindo dias melhores? Pedia minha cura. Pois certa vez, acordei diferente. Com vontade de viver. Naquele momento eu não conseguia entender o que estava acontecendo comigo, o que eu estava sentindo de diferente. Mas já era Deus agindo em mim. Eu comecei a voltar a sorrir. Bem verdade que era um sorriso acanhado, mas já tinha meses, quase um ano que nem isso eu fazia mais. Comecei a querer retomar as rédeas da minha vida. Isso porque eu já estava muito dependente dos outros. Voltei a conversar mais com meus sobrinhos e familiares. Mas percebi que embolava as palavras. Eu estava com dificuldade em falar. Passei um bom tempo sem falar com ninguém e agora sem poder escutar a mim mesmo, estava difícil. Mesmo assim, algo de novo, de esperançoso estava no ar. Não demorou muito e voltei a usar as redes sociais. Mas foi num processo vagaroso, não foi do dia para a noite. E aos poucos, pelo menos online, eu estava me reaproximando dos amigos.

Bem, é isso pessoal, em outras abas vai ser inevitável não falar sobre a família e amigos, muito embora seja esta aba a propícia. Mas retomarei questões deste convívio.

A próxima aba será sobre A SURDEZ E A SEXUALIDADE. Até lá!