PARTE II

Parte II

Bem, e assim chegou o dia da viagem à capital. Já era janeiro de 2014. São cerca de quatro horas de Parnaíba à Teresina. Lá moram muitos parentes nossos. Pessoas legais, solícitas e os quais amamos bastante. Mas como eu estava abalado, deixei claro para minha mãe e meu irmão Eduardo (quem por muito tempo nos acompanhou, dirigindo meu carro pois, eu já estava evitando dirigir), falei que não queria ir para casa de parentes, não queria que ninguém soubesse o que estava acontecendo comigo. E que evitassem comentar com quem quer que fosse. Então ficamos sabendo, através do Rondinelle, que em Teresina tem a casa do professor. A mãe dele, dona Lourdes, professora aposentada, por várias vezes visitou o local. Lá é um ponto de apoio aos profissionais do magistério que são sindicalizados no Piauí. Como eu não era funcionário no Piauí, eu não tinha direito, mas minha mãe sim. Ainda antes da viagem, conseguimos o endereço e fomos até lá e fomos bem atendidos. Mas por ser mês de férias, o local estava lotado e é dividido em ala masculina e ala feminina. São vários quartos com pelo menos três beliches e ainda tinham camas e redes nos corredores, a fim de comportar todos que precisam. O local realmente ajuda muita gente que por algum motivo precisa estar na capital pois, como antes mencionei, Teresina é polo de tratamentos em saúde. Mas quando eu percebi que não iríamos ficar juntos, de cara eu relutei em ficar lá. Mas se não tivesse outro jeito, eu preferiria lá a casa dos meus parentes.

Deixamos reservado e fomos às clínicas. A partir daqui, vou evitar falar nomes de clínicas, médicos e outros profissionais. Isso por questões éticas e, também, por ter relatos não tão legais do que realmente aconteceu comigo. Algumas coisas relatadas não conseguirei provar pois, como éramos “marinheiros de primeira viagem” e por toda a pressão psicológica que sofríamos no momento, muito do que fomos expostos, foi nos dito verbalmente e, palavras são soltas ao vento. Registros são necessários para se provar algo que você venha a afirmar. Por esse motivo. Todo o meu relato foram situações as quais eu, minha mãe Conceição e meu irmão Eduardo (em alguns momentos) fomos expostos. É nossa ótica, foi como nos sentimos e não estamos acusando por não termos provas. Mas vejo ser necessário alertar nossos leitores que por ventura passem por algo parecido.

Ressalto que eu nesse momento ainda era ouvinte. Minha audição esquerda estava perfeita e minha direita, embora tivesse perdido algo a mais, ainda me fazia escutar. Saliento ainda que se vocês, leitores perceberam, não liguei muito para o médico na minha cidade. Infelizmente Parnaíba ainda deixa muito a desejar no quesito medicina. Mas isso já está mudando. Somos polo universitário e já contamos, atualmente, com duas universidades de medicina, o que esperamos agregar excelência ao nosso município.

Na clínica, o otorrino passou exames como audiometria (clique no link https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/fonoaudiologia/o-exame-de-audiometria/29369 para saber mais sobre audiometria), passou também uma ressonância magnética e outros rotineiros (clique no link para saber mais sobre ressonância https://saude.abril.com.br/medicina/ressonancia-magnetica-o-que-e-e-para-que-serve/). Resolvemos fazer os exames no mesmo dia para tentar receber os resultados o mais rápido possível ou no dia seguinte. Ao irmos atrás de clínicas que nos pudessem atender em tempo hábil, conhecemos um tipo de serviço estranho, pelo menos aos meus olhos naquele momento: são os agenciadores em saúde, nem sei se o nome é esse. Mas o que é isso? Como funciona? Ainda não me detive a pesquisar mais sobre essa profissão. Mas ouso em dizer que são pessoas leigas em áreas da saúde, que em comum acordo com donos de clínicas e médicos, vão para a frente de hospitais ou locais mais movimentados, com cartões de visita, oferecendo descontos para consultas e exames. Esses agenciadores recebem uma pequena porcentagem em cima de consultas e exames de pessoas que eles levam aos locais agenciados. É um serviço como qualquer outro e vejo de grande valia social, uma vez que pessoas comuns, por vezes se sentem desamparadas e não tem muito o que gastar. Nesse momento conhecemos um casal. Estes, cito os nomes pois, são pessoas batalhadoras e humanas. Tânia e Jeremias. Nunca os tínhamos visto antes. Nos levaram ás clínicas que estavam agenciando, nos acompanharam em cada momento e inclusive em conseguir que os resultados logo saíssem. Teve exame que só iríamos receber no dia seguinte.

Mas já estava ficando tarde e na minha mente se passava constantemente esta pergunta: onde iríamos dormir? Na casa do professor, um local com tamanho valor social também, só não me deixava à vontade pois, devido a todo o meu abalo psicológico, eu queria estar perto de minha mãe e meu irmão. Foi então que seu Jeremias perguntou se teríamos onde ficar. Percebi de cara que possivelmente ele tivesse alguma alternativa para meu descontento. Ele falou que se da próxima vez que viéssemos, não tivéssemos onde ficar, ele tinha um quarto em sua casa e poderia nos receber. Aquela notícia para mim foi maravilhosa. Mas primeiro precisávamos minha mãe, eu e o Dudu (meu irmão) conversar sobre essa possibilidade acontecer ainda naquela noite. Ficamos em uma clínica para receber um resultado que iria sair no mesmo dia. Seu Jeremias precisou sair e foi tempo o suficiente para eu persuadir minha mãe e irmão a irmos para a casa dele. Mamãe pegou o cartão de visitas que tem o número deles e perguntou se teríamos como ficar lá ainda naquele dia e deu certo. Desfizemos a reversa na casa do professor e ficamos lá, com eles. Uma família maravilhosa. Nos receberam muito bem e dormimos todos, eu, minha mãe e irmão, no mesmo quarto. Ufa! Foi uma sensação maravilhosa ficar com quem se ama em meio ao abalo que me consumia.

No dia seguinte, seu Jeremias e dona Tânia, nos acompanharam, no carro deles, indo à frente, nos mostrando como chegar ao centro da cidade e que se precisássemos de algo era só chamar. Agradecemos demais por tudo que fizeram por nós e prosseguimos a levar os resultados para o otorrino.

Na clínica, o médico analisou o exame de audiometria e confirmou que era uma perda auditiva, que naquele momento era de moderada a leve, somente no ouvido direito e na ressonância, como conclusão, tinha suspeitas de neurofibromatose tipo 2. (Confira no link mais sobre neurofibromatose tipo 2 http://anatpat.unicamp.br/textonf2.html). Eu nunca tinha ouvido falar sobre isso. O médico disse que era uma espécie de caroço, um mini-tumor, nódulos que são benignos que poderiam ter nascido em qualquer lugar e certamente, dependendo de onde fosse, eu nunca nem saberia da existência deles, mas como tinha sido em cima do nervo auditivo, estava causando a perda e por isso os descobri. Para completar a situação desagradável, no mesmo exame mostrava que também estava nascendo no ouvido esquerdo, o qual minha audição estava intacta. Agora imaginem bem aí, eu já estava abalado e com mais essa notícia, fiquei pior. O médico continuou dizendo que não cabia, por enquanto, procedimento cirúrgico pois, precisaria ver outras possibilidades, uma vez que como estavam em cima do nervo auditivo, iria danifica-lo e eu nunca mais voltaria a ouvir e também poderia comprometer o nervo facial que fica próximo e eu ficaria com paralisia facial. Cada palavra pronunciada pelo médico era com uma facada no meu psicológico. Naquele momento eu comecei a ficar depressivo e não sabia. Por que quem me conhece sabe que adoro sorrir, brincar. Nunca fiz isso por esconder algum problema depressivo. Eu nunca fui depressivo, eu não sabia o que era tristeza. E, a partir daquele momento, meus motivos para sorrir estavam cessando.

O médico indicou outro profissional, um neurocirurgião, um dos mais famosos e caros da capital e no dia seguinte tínhamos de ir ver a opinião dele. Seu Jeremias novamente conseguiu marcar com este médico para o dia seguinte. Mas como não esperávamos essa notícia, pensávamos que já iríamos retornar para casa. Então teríamos que dormir novamente lá. Ficamos meio sem graça de mais uma vez importunar seu Jeremias e foi quando minha mãe avistou, no centro da cidade, o filho de uma amiga dela que morava em Parnaíba e por ter se mudado para Teresina, já fazia tempos que não se viam. Vejam, eu preferiria ficar na casa de uma pessoa que não tinha intimidade a ficar na casa de parentes que me enchessem de perguntas sobre o que estava acontecendo comigo. Talvez para alguns leitores e até para meus parentes, isso não faça sentido, mas fazia muito para mim pois, a tristeza e a preocupação me consumiam e tocar neste assunto era reviver as “facadas” sentidas a cada palavra proferida pelo médico. Eu não queria falar sobre isso, eu não queria me sentir pior ao perceber que poderiam me olhar com pena. Tivemos a ideia de pedir abrigo a esta amiga da minha mãe. Outras pessoas maravilhosas, seu Wilson e dona Olga, já aposentados. Nos receberam de braços abertos. Literalmente nos acolheram. Por outras vezes ficamos lá também.

No dia seguinte fomos ao neurocirurgião. O médico nos pareceu um tanto esnobe, era o mais famoso da capital. Talvez nem fosse esnobe, mas tanto eu, como minha mãe e, irmão, estávamos abalados e a forma como ele nos tratou, nos pareceu ser um tanto indiferente a tantas dúvidas que nos pairavam. A consulta foi caríssima e ali, seu Jeremias não agenciava, nos marcou a consulta por generosidade de sua parte. O médico falou exatamente as mesmas palavras do otorrino, que não poderia operar, deu os mesmos motivos, mas acrescentou que eu poderia viver normalmente com este problema e nos mandou embora. Mas como assim, só isso? Foi o que minha mãe perguntou. O senhor não vai receitar nenhum medicamento? Naquele instante, devido a apatia no comportamento do médico, que boa parte aqui no Piauí, não generalizando, é claro, atendem seus pacientes em tempo recorde, a fim de logo atender outros e outros e outros e assim ser mais rentável, minha mãe quis ser dura com ele e foi então que ele receitou o mesmo medicamento que também fora receitado pelo médico que primeiro tinha me atendido em Parnaíba. E nos mandou para casa, disse para eu retornar somente de três em três meses para fazer avaliações. E assim o fizemos. Retornamos para minha casa. A tristeza continuava.  Religiosamente eu tomava a mesma droga receitada por dois médicos, um da minha cidade e outro da capital. Eu me apeguei à droga, pensando que ela me faria voltar ao normal. Mas com 15 dias do nosso retorno, eu perdi completamente a audição do ouvido direito. Outra “facada”. E agora? Por que isso aconteceu? Visto que o neurocirurgião, famosíssimo, havia dito que eu conviveria normalmente com isso e nunca levantou a hipótese de eu ficar surdo. E agora? Ainda mais abalado, porque era como se eu carregasse fardos pesados e precisasse de ajuda para aliviar o peso e, ao invés de alguém me ajudar, estavam colocando mais fardos sobre mim.

Então resolvemos voltar às pressas para a capital. Sobre isso, será a parte III desta aba. Breve postarei. Conto com a leitura de vocês. Abraço!